Sensei, o senhor começou a praticar aikido na França, ainda em criança?
Sim. Eu tinha onze anos e praticava Judo Naquele tempo, não havia aulas de Judo para crianças. Assim, era muito difícil. Depois da aula de Judo, havia uma de Aikido - talvez três ou quatro pessoas praticando. Eu ouvira falar que para praticar Aikido não era necessário ser forte; que até mesmo pessoas de pequeno porte poderiam jogar gente muito maior. Assim, perguntei se poderia tentar. As pessoas na aula de Aikido disseram OK. E ficaram muito felizes por haver um novo membro.
Meu primeiro professor foi Tavernier Sensei. Depois de três ou quatro meses - em 1964, acredito - Nakazono Sensei veio a Paris e comecei a estudar com ele. Naquele tempo, ele ensinava Aikido - um pouco de kotodama,mas na maior parte do tempo, Aikido.
Vejamos se consigo esclarecer esta história. na época, Nakazono Sensei estava em Paris e Tamura Sensei em Marselha?
O primeiro a vir a Marselha foi Abe Sensei. Quando Nakazono Sensei chegou, Abe Sensei, deixou o dojo aos cuidados dele e voltou para o Japão. Quando Tamura Sensei veio do Japão, Nakazono Sensei, deixou o dojo sob a sua direcção e foi para Paris. Nakazono Sensei, Noro Sensei e Tamura Sensei estavam todos na França na mesma época.
Ouvi dizer de pessoas que estudaram com Nakazono Sensei que ele era muito rigoroso.é essa a sua recordação também ?
Da minha perspectiva à época, Nakazono Sensei era um mestre muito, muito importante. Não me recordo se era rigoroso. Só me lembro que ele era muito carismático.
Nakazono Sensei estudou muitas artes marciais, incluindo Judo e Karaté. Não acho que ele tenha estudado Aikido durante muito tempo , mas parece que O Sensei estava confiante em sua mensagem - e talvez também na sua habilidade em lidar com relações humanas. Nakazono Sensei foi um excelente embaixador para o Aikido. Metade dos ensinamentos de Nakazono Sensei eram Aikido; a outra metade, assuntos espirituais. Mas quando você opta por estudar Aikido, está escolhendo uma actividade física; do contrário, escolheria pintura ou meditação. De primeiro, você deve trabalhar o corpo assim como se amassa o pão, de modo a sentir a arte. Quando você tem 16 ou 17 anos, não é suficiente ouvir que Aikido é amor; isso não significa nada para você. É por isso que fui ao Japão.
Havia muitas pessoas estudando Aikido naquela época?
Sim. Havia muitas pessoas, mas em diferentes grupos. Cerca de 800 pessoas estavam nos grupos do Aikikai,que eram ligados a Nakazono Sensei e a Tamura Sensei. Era a Association Culturelle Française d'Aikido (ACFA). E havia duas ou três mil pessoas no grupo da Federação de Judo, que era ligada a Mochizuki Sensei. Quando estive no Japão por volta de 1975, os grupos se uniram. O Aikikai "abocanhou" todos os demais e se tornou o grupo na França - a Union Nationale d'Aikido (UNA).
A UNA é a atual organização na França?
Não. A UNA acabou por se dividir novamente e agora não existe mais. Em 1981, cogitou-se de que os aikidocas deveriam deixar a Federação de Judo Era muito confortável e conveniente lá porque tínhamos um dojo, tatamis , dinheiro e tudo o mais. Mas um pequeno grupo liderado por Tamura Sensei queria maior controle. Algumas pessoas achavam que o Aikido seria muito melhor se houvesse uma federação própria. Tamura Sensei perguntou, " Se eu deixar a Federação de Judo, vocês me seguirão?". Em princípio, quase todos disseram "sim" Entretanto, tornou-se claro antes mesmo de deixarmos a Federação de Judo, que já estava decidido quem seria o presidente, o secretário e assim por diante. Metade das pessoas se recusaram a deixar a Federação de Judo, desde que a nova federação já estava previamente estruturada. Assim, existiam duas federações: a Federation Française Libre d'Aikido (FFLA) e a Federation Française Aikido, Aikibudo et Affinitaires (FFAAA).
Desde 1981, existem duas grandes federações na França que têm aproximadamente o mesmo tamanho (talvez a nossa seja maior em duas ou três mil pessoas), e ao todo, há cerca de 50.000 praticantes.
Estamos conversando para formar uma nova federação e neste ano, poderemos nos juntar outra vez.
Na França, as coisas são diferentes dos Estados Unidos: o Aikido é regulado por lei. Existe um certificado francês de dan e um diploma francês de professor , que é a credencial importante para ensinar Aikido aqui, e não o certificado de dan do Aikikai. Para ensinar é necessário , no mínimo, um certificado de nidan da federação governamental francesa. De certo modo, este arranjo não é do todo mau, pois podemos controlar quem vai ensinar.
É esta a situação política do Aikido francês.
Imagino que muitos professores de Aikido visitam a França, vindos de outras partes do mundo.
Saotome Sensei vem à França. E, todos os anos, nossa federação recebe Endo Sensei, Nishio Sensei e Yamaguchi Sensei. Waka Sensei estará aqui em janeiro.
O aspecto político do Aikido francês parece ser tão complicado e confuso quanto o dos Estados Unidos.
Sim. A situação é muito difícil. O próprio Tamura Sensei é membro permanente da Federação Internacional de Aikido (IAF), que foi organizada pelo Hombu Dojo Aikikai, embora a sua federação não seja reconhecida pelo Hombu Dojo, pela IAF ou pela Federação Europeia de Aikido. Nossa federação é reconhecida pela IAF, que só reconhece uma por país.
Existem apenas duas pessoas na França que podem graduar pelo Aikikai: Tamura Sensei e eu. Assim, é muito estranho que a sua federação não esteja na IAF. Parece que a IAF não significa nada'.
Tenho grande respeito por Tamura Sensei. Somos amigos e não concordo com a posição do Hombu Dojo sobre a sua organização. Se o Hombu Dojo deve se aliar a alguém, acho que seria correto que fosse com Tamura Sensei, que é um famoso Hombu Shihan. Embora eu esteja feliz que o Hombu Dojo reconheça a minha federação, sua posição é muito difícil de entender.
O Senhor disse antes que há discussões para formar uma nova federação pela combinação das já existentes na França. isso ajudaria a tornar as coisas mais claras ?
Penso que sim, se nos reuníssemos, isto resolveria muitos problemas do Aikido europeu. Actualmente na Europa, o grupo ligado ao Aikikai é muito pequeno. Na Alemanha, por exemplo, há cinco ou seis federações, sendo que apenas uma delas é membro da IAF. O grupo do Aikikai tem aproximadamente 2000 pessoas, o que é muito pouco quando se pensa que há quase 20.000 praticantes na Alemanha.
O mesmo problema acontece na Itália. O Aikikai lá tem cerca de 3000 pessoas, mas o número total de praticantes é muito maior. Na Espanha e na Inglaterra os grupos ligados ao Aikikai também são muito pequenos.
No passado - 20 ou 30 anos atrás - cada grupo nacional tinha um professor. Quando se tem grupos de 100 pessoas, esse sistema está OK. Mas, quando se tem 5000 ou 10000 pessoas, é impossível. Não se pode ter um professor controlando tudo em um país. Às vezes, o Aikikai parece não entender isso.
Se pudermos resolver nosso problema na França - se pudermos estabelecer uma nova dinâmica operacional - isto será de ajuda para muitos outros países, porque eles não podem continuar e crescer sob a forma actual.
O novo sistema que o senhor está imaginando continuaria sob o comando do Aikikai Hombu Dojo ?
Não sei ao certo. A direcção do Hombu Dojo parece não enxergar a solução dos problemas. No último congresso em Tokyo, Yamada Sensei disse que não é bom ter apenas uma organização de credibilidade por país. Ele sabe que na América existem tantos grupos diferentes que é difícil dizer" Um país, uma voz."
É muito fácil percorrer a Europa hoje em dia. Por exemplo, pode-se ir de Paris a Londres em três horas - de carro. E é muito simples ir da França para a Alemanha. Tenho cerca de 5000 praticantes lá Mas, por causa do regulamento do Aikikai, não posso aplicar qualquer exame na Alemanha, por não ser o seu representante no país. Então, as pessoas vêm para a França e obtêm a graduação francesa. Não é uma boa situação. Talvez o Hombu Dojo devesse permitir que algumas pessoas pudessem dar promoções em qualquer país. ( Decerto ainda haveria problemas, pois os mestres poderiam ter suas áreas se sobrepondo.)
Nos Estados Unidos, Mestres não japoneses não são reconhecidos como Shihan, ainda que tenham alcançado o sexto dan. o mesmo acontece na Europa?
Sou um shihan reconhecido pelo Hombu Dojo e acho que há mais um ou dois shihan franceses.. Sou sexto dan há mais de nove anos agora. Graduo pelo Aikikai até o quinto dan e não há problemas. Tenho uma conexão muito boa com o Hombu Dojo.
Quando estive no Japão, de 1969 a 1976, não pensava que pudesse chegar ao quarto dan. Naquele tempo, os estrangeiros estavam treinando para nidan e algumas vezes para sandan. Para yondan era diferente porque não havia exame. . Quando consegui o meu quarto dan, disse "As coisas estão mudando!"
Voltei para a França em 1976 e em 1980 recebi o meu quinto dan directamente do Hombu Dojo. Pareceu-me na época que o Hombu Dojo galgou mais um novo passo.
No mesmo ano em que fui promovido a sexto dan, havia um encontro de aikidocas europeus em Estocolmo. Eu não estava lá, mas muitos mestres japoneses sim e, é claro, um deles disse: "Precisamos ter um shihan japonês na França." Os franceses que lá estavam disseram: "Por quê precisamos dos seus mestres de sexto e sétimo dan? Temos Christian Tissier que tem o sexto dan do Hombu Dojo." Alguém perguntou: "Mas Tissier é um shihan?" E Fujita Sensei, que era o Secretário Geral do Hombu Dojo disse: "Se Tissier é um sexto dan do Hombu Dojo, ele é um shihan do Hombu Dojo." Na minha opinião , este foi mais um passo dado por eles.
Como Chiba Sensei disse ao Hombu Dojo, talvez o Aikido renasça de fora . Talvez os estrangeiros sejam mais leais ao Hombu Dojo do que alguns dos japoneses que vivem fora do Japão. Acho que o futuro para o Aikikai e para o Aikido japonês está na América e na Europa.
Os jovens sonham com o Japão e com mestres muito famosos. É quase como magia. Nosso trabalho é manter vivo esse sonho. O trabalho do Hombu Dojo é tornar esse sonho realidade.
"Gostaria de ver mais e mais pessoas praticando o Aikido - mas não estou com pressa. Se desejamos que o Aikido cresça, precisamos ter professores qualificados - pessoas que sejam capazes de dar um exemplo a ser seguido."
O Senhor acha que a qualidade dos instrutores do Hombu Dojo está mudando?
No passado, vários mestres muito bons e de grande carácter se desenvolveram no Hombu Dojo - Tada Sensei, Tamura Sensei, Yamada Sensei e outros. De certo modo, estas pessoas eram uma elite.
Actualmente não é tão simples para o Hombu Dojo desenvolver uma elite, porque não é assim fácil atrair pessoas talentosas. Hoje, um jovem e talentoso japonês pode ter trabalho, uma namorada e um carro. A qualidade de vida que o Hombu Dojo oferece a seus uchideshi não chega a esses padrões. Assim, é fácil entender porque pessoas qualificadas decidem se dedicar às empresas e vêm ao Hombu Dojo apenas para praticar.(E devemos respeitar a coragem e a dedicação daqueles que se decidem por ser uchideshi nessas condições.)
Talvez eles devessem dizer aos jovens: "Se você vier para o Aikido, será submetido a um rigoroso processo de selecção. Precisará ser bom em Aikido, ser inteligente e ter carisma. Se tiver essas qualidades e permanecer como um uchideshi, você se tornará membro de uma elite social." O Hombu Dojo não pensava que precisaria de uchideshis para formar uma elite. Precisava apenas de pessoas para limpar o dojo. Este é um problema. Talvez o Aikikai necessite de um bom administrador para cuidar de sua imagem - talvez alguém de fora do Aikido.
O Senhor acha que o Aikikai enviará novos Shihan do Hombu Dojo aos outros países quando os mais velhos se aposentarem?
Não sei o que eles vão fazer. É possível que alguns shihan do Hombu Dojo desejem sair do Japão. Mas ouvi dizer que nos Estados Unidos, por exemplo, algumas organizações têm estudantes de quinto dan excelentes. O Hombu Dojo não poderá enviar mestres de oitavo dan, e se mandarem alguém de sexto dan, isso sugeriria que o Aikido na América não é muito bom. Quando se tem praticantes de quinto ou sexto dan e o Hombu Dojo envia alguém do mesmo nível para administrar, isso significa que esses estudantes são de algum modo deficientes.
É claro que o Hombu Dojo representará um papel muito importante no futuro do Aikido internacional. Há alguns jovens mestres muito, muito bons no Hombu Dojo. São muito inteligentes , compreendem a situação internacional e são excelentes em relacionamentos. Sua atitude é diferente daquela de alguns shihan mais velhos. Quando vão para fora, por exemplo, eles não representam o papel de O Sensei. São muito amistosos e muito próximos. Não são dinossauros. Eles têm a qualidade técnica e muito mais. Esta nova geração trará um novo dinamismo para o Aikido.
Como era o Japão quando o Senhor esteve lá aos dezoito anos de idade?
Quando cheguei ao Japão, não tinha ideia de como era. Não conhecia ninguém . Cheguei em Yokohama às três da tarde. Assim que desembarquei do navio, fui imediatamente para o Hombu Dojo. Às sete da noite, fui à aula e pratiquei. (Acho que o professor era Saotome Sensei). Depois, dormi num banco ao ar livre. Para alguém com dezoito anos, isso não era problema.
No dia seguinte, fui para a aula das 6:30 da manhã e vi o Doshu pela primeira vez.. Ele executava um iriminage e pensei: " Este cara não é muito bom". Ele não fazia um iriminage como eu estava acostumado a ver. Esse é o maior problema no Aikido. Quando você não vê aquilo a que está acostumado, pensa que não é bom. Achei a movimentação do Doshu estranha durante quatro ou cinco meses e então, é claro, a prática mudou minha opinião.
Naquele tempo - 1969 - não havia muitos estrangeiros no dojo. Terry Dobson estava lá, Stan Smith e Bud Wheeler. Bud Wheeler me impressionou por ser muito forte. Eu era uma criança e ele um homem - talvez com 30 anos de idade. Esta é uma lembrança muito boa que tenho daquele tempo.
Como era jovem, as pessoas não me conheciam. De certa maneira, eu era muito tímido e era muito difícil para mim fazer contacto com as pessoas do Aikido.
Frequentava as aulas do Doshu todos os dias. Achava que ele não gostava de mim, mas na verdade, se sentia tímido, também. Um dia, me chamou para ser seu uke. E então, por um par. de meses, ele me chamaria uma vez por semana - então duas vezes e a final, diariamente. Assim, me tornei o uke do Doshu todos os dias.
Naquele tempo o Sensei ainda era vivo?
Sim, mas não tive a chance de vê-lo, infelizmente.
O Senhor foi logo morar no Dojo ou encontrou um apartamento?
Dormi em um bom banco durante uma semana e então os policiais do parque me disseram que eu não poderia ficar ali. Disse-lhes que não tinha lugar para ficar, ninguém, nada. Me trouxeram um cobertor.
Mais tarde, os policiais me levaram a um albergue da juventude. Fiquei lá uns poucos dias e então tentei encontrar um apartamento. Finalmente, morei bem em frente ao dojo, diante da casa do Doshu. Tinha dois tatami e meio e fiquei lá por seis meses.
O que sua família achou de sua ida ao Japão?
Eu disse que queria ir ao Japão e eles responderam "OK, sem problemas." - mas não achavam que eu fosse realmente. Trabalhei durante todo o verão , consegui a passagem e parti.
Quem mais o influenciou no japão?
Eu ia às aulas de todos e mantinha boas relações com muitos professores. Mas o Doshu era o meu principal mestre . Gostava muito dele e frequentava sua aula todos os dias. Masuda Sensei, Endo Sensei e Chihashi Sensei eram meus sempai e me ensinavam, mas eram mais amigos do que professores. Fui também influenciado por Osawa Sensei e por Yamaguchi Sensei - mas era realmente muito difícil aproximar-se de Yamaguchi Sensei.
Por quê?
Não sei. Só era muito difícil. Mas acho que, como pessoa, Yamaguchi Sensei é muito especial. Ele é muito universal e humano. Quando você conversa com ele, mesmo sem saber falar a língua, você se esquece por um instante de que ele é japonês e compreende o que diz.
Conheci muitos mestres quando eles tinham 25, 35 anos e quando eram muito, muito fortes. Quando os vi dez anos depois, tinham se tornado rígidos ou fracos. Suas posturas eram ruins. Disse a mim mesmo "é loucura ser forte por cinco anos e fraco depois. O Budo implica em preservar sua vida".
Yamaguchi Sensei está com 70 anos agora e veio à França em junho último. Gostei de ver que goza de muito boa saúde. As pessoas que o vêem - mesmo aquelas que estão na casa dos vinte - dizem que querem ser capazes de movimentar-se como ele.
Mas ainda, Yamaguchi Sensei é muito controvertido.
Como assim?
Bem, algumas pessoas dizem "sua técnica não funciona". Mas nada funciona em Aikido. NADA. Você sabe o que quero dizer?
Não. Por favor, explique.
Yonkyo não funciona e nikkyo não funciona - a menos que eu permita, entregando-lhe meu braço. É esta a mensagem que você apreende da arte, não a técnica. Ninguém é forte.
Penso que a arte marcial é um sistema de preservação da sua vida, das suas integridade e liberdade e a das pessoas ao seu redor. Tem a ver com viver em harmonia com o meio ambiente e com os outros. Veja o Mike Tyson, por exemplo. Ele é muito forte, mas foi "nocauteado" por duas vezes - por duas garotas. Ele está sempre no lugar errado e no tempo errado. O Budo deve ensinar você a estar no lugar certo, no tempo certo.
O Senhor diria que Yamaguchi Sensei aborda o Aikido filosóficamente?
Não. Yamaguchi Sensei nunca fala sobre filosofia. Você nunca o ouvirá referir-se a O Sensei ou falar sobre ki ou kokyu. Ele não fala sobre filosofia, mas sim sobre princípios, sobre o que é o Aikido e sobre a mensagem contida na técnica.
O que é o Aikido para Yamaguchi Sensei?
Ele diz que o Aikido é uma busca para dentro do ideal de perfeição do eu.
Yamaguchi Sensei diz que a transformação do eu é parte do conceito de budo?
Sim. Penso que o Budo - o espírito do budo - é muito importante para ele. Quero dizer "budo" num sentido moderno - um sistema educacional com algumas regras.
As regras são muito importantes, mas as pessoas devem descobri-las por si mesmas. O bom professor é aquele que o leva a descobrir as regras necessárias para continuar a viver em harmonia com os outros. Um mau professor é aquele que faz as regras ou estabelece algumas sem significado.
Em termos do Budo, se você é sempre bem-sucedido , não há razão para continuar a praticar. Assim, acho que no Budo, você deve falhar algumas vezes e SABER que falhou. Da próxima vez, você terá uma nova chance para melhorar. Numa competição, você não tem esta nova chance: se perder, terá que esperar por um outro campeonato. Mas na prática do Budo - do Aikido - , não há competição. Você tem sempre uma nova chance.
Em Aikido, sempre tentamos executar o movimento ideal. Alguém vem com um ataque muito bom, o mais determinado e sério possível e você tenta responder com um movimento ideal. É claro, não funciona. Então você repete, novamente tentando executar o movimento ideal. Falha, outra vez. Em Aikido, queremos fazer a técnica mais bela e falhamos. Ainda assim, o propósito é fazer a mais perfeita técnica. É disto que temos que nos lembrar - mas esquecemos muito facilmente.
Havia um pintor chamado Hans Menling que nunca assinava seus quadros. Apenas escrevia "é o meu melhor". Frequentei um colégio jesuíta e todos os dias tínhamos que escrever "é o meu melhor" em nossos cadernos. Penso que o Aikido é assim: você tenta fazer o seu melhor - não O melhor, mas o seu melhor.
Então as técnicas são ferramentas para nossa transformação?
Sim, exactamente. Elas são ferramentas. A técnica é a estrutura mecânica. Se optamos por praticar um Budo, deve haver uma razão; senão, teríamos escolhido outra coisa. E a razão de optar pelo Aikido é a técnica - por isso ela é importante.
No Budo, você tem uma sanção - punição. Num combate real, a pena é a morte. Assim, em budo você deve sempre pensar que pode vir a sofrer a punição real. Não há ameaça ou morte reais, mas você deve respeitar a prática como se houvesse. Precisamos da sanção - punição - em nossas mentes.
É por isso que O Sensei dizia que aikido é ichi go ichi e. Você deve executar a técnica como se fosse pela primeira e última vez. E quando conhecer alguém, é a mesma coisa: como se fosse a primeira e a última vez.
O Senhor vê neste aspecto a diferença do Aikido com as outras artes marciais?
Todo budo tem os mesmos problemas. Em Aikido é fácil dizer "sou o melhor", porque não há competição. Nas artes competitivas, como katate e judo, é fácil dizer "sou o melhor" porque elas existem. Se você ganha um campeonato, você pode ser o melhor naquele momento e sob as condições do torneio. Mas será o melhor amanhã?
Vamos voltar a sua estória. quando o Senhor retornou à França em 1976, voltou para o seu antigo Dojo e para seu Professor?
Não. Quando voltei, todos os meus amigos vieram para o meu dojo - mas todos eles desistiram depois de um mês. O que eu ensinava era completamente diferente do que eles tinham visto até então.
O Senhor tinha o seu próprio Dojo?
Bem, não. Comecei em muitos pequenos lugares - em dojos de karate e judo. Mais tarde, consegui meu próprio lugar em Paris. (Agora existem mais de 400 dojos aqui!)
Treinei mais de mil faixas-pretas desde 1976. Tenho agora 500 pessoas no meu dojo. Muitos professores vêm mensalmente para estudar.
Sei que quando o Senhor retornou à frança, Yamaguchi Sensei o acompanhou. ele o ajudou a se estabelecer como Professor?
Não. Yamaguchi Sensei não pode me ajudar porque ninguém o conhecia na França. Simplesmente percorri os dojos perguntando se haveria algumas horas disponíveis nas quais eu pudesse ensinar Aikido.
Então, era o Senhor quem ensinava e não Yamaguchi Sensei.
Yamaguchi Sensei veio a passeio, em férias. Eu queria apresentá-lo à Europa. Ele ministrou um seminário de dois dias em Paris e isso foi tudo.
O mais recente seminário dado por Yamaguchi Sensei em Paris em junho último, teve quase 600 pessoas, vindas de todos os pontos da Europa. Por 3 dias.
Os critérios de exame na França são os mesmos exigidos nos Estados Unidos?
Não sei como são na América. Na França, trabalhamos seriamente nos critérios. Tentamos deixá-los claros para todos.
Em Paris, há dois exames para shodan por ano, e cerca de 200 pessoas se candidatam de cada vez.
Os testes para shodan, nidan, sandan e yondan são nacionais , realizam-se num único lugar para todos e não se sabe quem serão os examinadores.
São três juízes do grupo de Tamura Sensei , três da nossa federação e a votação deve ser unânime. Não é o melhor sistema porque existem muitas coisas que você não pode julgar sem conhecer a pessoa que está examinando. Mas há tantos candidatos aos exames que isso não pode ser remediado.
O quê o Senhor acha que as pessoas ganham com as federações e organizações de Aikido? por quê precisamos delas?
Nós não precisamos de federações, mas é melhor quando elas existem - não para controlar os instrutores, mas para manter as coisas seguras. Além disso, as federações são óptimas para a promoção do Aikido: por serem tão abrangentes, elas têm condições de custear a publicidade, anúncios. Mas, ainda que não existissem, nós sobreviveríamos.
Qual é o seu desejo para o Aikido? o quê o senhor gostaria de ver acontecer em prol da arte no futuro?
Gostaria de ver mais e mais pessoas praticando o Aikido - mas não estou com pressa. Se desejamos que o Aikido cresça em números, precisamos de professores muito bons - instrutores qualificados e que sejam capazes de dar um exemplo a ser seguido.
E precisamos de pessoas - como você na ATM - para transmitir o Aikido de uma forma boa . Na França, não temos uma revista como a ATM. Tínhamos uma há 10 anos atrás, mas foi muito difícil continuar. Assim, aprecio o quê vocês na ATM realizam.
Fonte: Site AikidoPT.com
Entrevista com o Christian Tissier Sensei.
Por Susan Perry,Editora da Aikido Today Magazine